terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Sobre a ideia de Pereira

Sostuvo Pereira que lá pelas tantas do mês de dezembro, quando o ano já é quase passado e um qualquer começa a ponderar aquilo que foi e aquilo que não foi nos últimos 365 dias e seis horas, uma ideia, mais ou menos assim, começou a formar-se naquela mente lusitana.

Antes não passava de um tímido e reprimido pensamento. Um fio, entre tantos outros, que vez por outra se mostrava presente, vivo, apesar de Pereira nunca o levar muito a sério. Era uma ideia vulgar que arrancava alguns risos quando se flagrava pensando nela, mas tão somente isso, nada mais.

Não se deu conta de que a cada vez que acariciava sua mente, a tal ideia semeava o solo, como uma abelha cheia de pólen. Daí que lá nas profundezas, em algum lugar escuro e úmido, foram crescendo raízes que com seus dedos robustos atravessavam a terra. Elas iam se agarrando em pedras e quando topavam com outras raízes, de outras ideias mais sensatas, as abraçavam. Logo, aquela flor - outrora uma sutil ideia - começou a germinar e quando ainda era um indício de vida, já tinha se enraizado de tal maneira e com tamanha violência que era impossível arrancá-la de dentro de Pereira.

E a ideia começou a florescer. Ao passo que seu caule subia numa lenta, porém incessante dança, ela ia ganhando força, cada vez menos vulgar e mais plausível. Quando nasceram as primeiras pétalas vermelho latejante, ela já era uma possibilidade e Pereira já se remoía internamente para encontrar a melhor maneira de realizá-la.

Quando, por algum milagre, Pereira era atingido por um surto de razão e percebia o absurdo de seus planos fantasiosos, do perigo daquela flor se expandindo impunemente, tentava inutilmente afugentá-la, extirpá-la de suas entranhas. Mas as raízes, de tão firmes, não cediam. Além de tudo, seus ramos já tinham se enlaçado com outras raízes de outras ideias - algumas igualmente desvairadas, outras concretas e razoáveis - que arrancar uma flor que fosse significaria danos a muitas outras, ideias, e, portanto, à própria existência.

Finalmente, de tão forte e imponente, aquela planta, antes nada além de um suspiro, que se fez pólen, para virar sêmen, raiz e seiva, era para Pereira a única certeza inegável e irepreensível, uma verdade absoluta que dentre as loucuras daquele campo florido, o campo de Pereira, se sobrepunha a própria morte. Afinal, qual o peso da morte no alvorecer da juventude, aos vinte e pico, quando posta cara a cara à representação máxima da vida? Mas como sostuvo Pereira antes, é tudo só uma ideia.





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