domingo, 13 de dezembro de 2009

Sobre essas aspas

Há mais ou menos vinte anos, quando recebeu a notícia de que seria pai, logo ele, tão jovem e desprovido de recursos, Pereira enfrentou dias e dias sombrios de reclusão. Estava perturbado por todas as implicações que a paternidade lhe traria, todas as privações e responsabilidades. Em um ato de desespero, correu a livraria mais próxima em busca de um desses autores de auto ajuda. Estava em busca de uma luz, uns poucos parágrafos esclarecedores vindos de títulos como Jovens Pais: passo a passo para superar desafios, ou mesmo Como lidar com Júnior, um guia para entender a relação pais e filhos. Para seu quase que total desespero, nada o satisfez. As mais de cento e cinquenta páginas que leu, vindas de bem uns quinze títulos, lhe pareceram um tanto exageradas. Em suma, pregavam o total sacrifício dos pais com as crias, e isto, Pereira sabia que não teria condições de realizar. A satisfação, e o tão esperado momento revelador que viria por delinear sua filosofia de pai para com seus filhos pelo resto da vida, vieram com umas poucas palavras grafadas nas orelhas de Os irmãos Karamázov (Editora 34), que sabe-se lá por que diabos Pereira se deu ao trabalho de ler. Segue o texto, com os mais sinceros votos de Pereira para que sirva de guia a muitos pais.

“Não está pedindo dinheiro, mas seja como for não vai receber um tostão de mim. Eu, meu querido Alieksiêi Fiódorovitch, tenho a intenção de viver o máximo que puder no mundo, saibam vocês disto, e por isso preciso de cada copeque, e quanto mais eu viver tanto mais esse copeque me será necessário. Por enquanto ainda sou um homem, apesar de tudo, tenho apenas cinquenta e cinco anos, mas ainda quero permanecer uns vinte no rol dos homens, porque vou envelhecer, ficar um trapo e elas não vão querer vir à minha casa de boa vontade, e é por isso que vou precisar de um dinheirinho. É por isso que venho juntando cada vez mais e mais só para mim, meu amável Alieksiêi Fiódorovitch, que fiquem vocês sabendo, porque quero viver até o fim em minha sujeira, fiquem vocês sabendo. Na imundice é que é mais doce: todos falam mal dela, mas nela todos vivem, só que às escondidas, enquanto eu sou transparente. Pois foi por essa minha simplicidade que todos os sujos investiram contra mim. Já para o teu paraíso, Alieksiêi Fiódorovitch, não quero ir, fica tu sabendo, e para um homem direito é até indecente ir para o teu paraíso, se é que ele existe mesmo. A meu ver, a pessoa dorme e não acorda mais, descobre que não existe nada; lembrem-se de mim se quiserem, e se não quiserem o diabo que os carregue. Eis a minha filosofia.”

Fiódor Pávlovitch Karamázov

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